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PEDIDO DE FALÊNCIA PELO DEVEDOR, OU AUTOFALÊNCIA. QUAIS OS RISCOS ENVOLVIDOS?

PEDIDO DE FALÊNCIA PELO DEVEDOR, OU AUTOFALÊNCIA. QUAIS OS RISCOS ENVOLVIDOS?

A Lei n. 11.101/2005, que trata da recuperação judicial, extrajudicial e da falência, separou uma seção específica para tratar da chamada “autofalência”, ou, como chamada pela própria lei, “falência requerida pelo próprio devedor”.

Dispõe o caput do Art. 105 da Lei:

“O devedor em crise econômico-financeira que julgue não atender aos requisitos para pleitear sua recuperação judicial deverá requerer ao juízo sua falência, expondo as razões da impossibilidade de prosseguimento da atividade empresarial, acompanhadas dos seguintes documentos:…” (grifei)

Sabemos que uma das regras básicas da hermenêutica jurídica é de que “a lei não tem palavras inúteis”. No caso, contudo, embora o art. 105 seja impositivo ao determinar que o devedor “deverá requerer” sua falência, ao invés de “poderá requerer”, necessário esclarecer que não foi estabelecida nenhuma cominação legal para o empresário que deixar de cumprir com o comando normativo, de forma que, na prática, o pedido de autofalência ocorre muito raramente, e se afigura mais como uma sugestão de boas práticas aos devedores que se encontrem em estado de insolvência.

Contudo, não podemos ignorar a interpretação doutrinária predominante de que, a despeito de ausência de previsão de sanção no texto legal, o pedido de autofalência permanece como sendo uma obrigação legal, quando presentes as condições previstas em lei.

Ademais, é inegável que demonstra diligência e boa-fé o empresário que atende a exigência do art. 105 e, ante a inviabilidade econômica para pagamento de suas obrigações, vem a juízo requerer a sua autofalência. Isso porque, agindo desta forma, assegura transparência na liquidação dos ativos, bem como a observância ao princípio da pars condition creditorum , princípio basilar da Lei 11.101/2005, que veda tratamento diferenciado entre credores da mesma classe, e estabelece ordem de preferência no recebimento de créditos, conforme a classe a que pertençam (art. 83 da Lei 11.101[1]).

Não obstante, não existem muitos incentivos atualmente para que os devedores confessem seu estado de insolvência, e requeiram autofalência, especialmente se a empresa devedora não possuir bens de elevada expressão econômica.

Com efeito, um processo de falência é desgastante, caro e bastante complexo, exigindo a atuação de profissionais especializados. Além disso, o processo é extremamente moroso. Para se ter uma ideia, o trâmite de um processo de  falência no Brasil dura  em média, 9,2 anos,[2] e durante este longo período, são aplicadas ao falido uma série de restrições, dentre as quais a inabilitação para o exercício de qualquer atividade empresarial, desde a decretação da falência até a sentença de extinção das obrigações (art. 102 da Lei 11.101[3]).

Entendemos, porém, que os empresários sempre deverão ponderar os riscos a que estão sujeitos quando, estando em estado de insolvência, deixam de requerer a autofalência e encerram as atividades de maneira informal, pois, em havendo obrigações inadimplidas, os próprios credores poderão requerer a decretação da falência, ou mesmo intentar incidentes para a tentativa de desconsideração da personalidade jurídica da empresa. (A respeito da desconsideração da personalidade jurídica, a jurisprudência atual, respaldada pelo disposto no art. 50 do Código Civil[4],  é majoritária no sentido de que não é possível a desconsideração da personalidade jurídica para o atingimento dos bens particulares dos sócios sem a comprovação de que estes tenham agido de modo fraudulento, com desvio de finalidade ou confusão patrimonial e com o intuito de lesar credores.  Dessa forma, o simples insucesso da atividade empresária ou a mera ausência de bens para penhora, sem a demonstração da existência de outros fatores que indiquem a ocorrência de fraude, não justificam a desconsideração da personalidade jurídica).

Por outro lado, podemos destacar alguns benefícios decorrentes da autofalência, dentre os quais o fato de que o próprio empresário devedor promoverá a liquidação dos ativos, podendo garantir um melhor rendimento proveniente desta liquidação, e maior agilidade no procedimento.

Ademais, a declaração judicial da autofalência assegura a aplicação de mecanismos previstos para a falência requerida por credores, como a suspensão de todas as ações e execuções em face do devedor (art. 6º da Lei 11.101);[5] abatimento de juros; conversão de todos os créditos em moeda estrangeira para a moeda corrente, assegurando-lhes, desse modo, uma preservação patrimonial mais favorável.

Assim, considerando a existência de prós e contras, uma decisão acerca da conveniência de um pedido de autofalência deve se sujeitar a avaliação de cada aspecto relacionado à questão, especialmente a existência ou não de patrimônio a ser liquidado, natureza das dívidas, risco de desconsideração da personalidade jurídica, e ainda, a possibilidade de recuperação da empresa através da negociação com os credores ou da utilização dos instrumentos legais da recuperação judicial ou extrajudicial, estes últimos no caso de haver viabilidade para a continuidade das atividades empresariais.

 

[1] Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:

I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;

II – créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado;

III – créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias;

IV – créditos com privilégio especial, a saber:

  1. a) os previstos no  964 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002;
  2. b) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei;
  3. c) aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em garantia;
  4. d) aqueles em favor dos microempreendedores individuais e das microempresas e empresas de pequeno porte de que trata a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006 (Incluído pela Lei Complementar nº 147, de 2014)

V – créditos com privilégio geral, a saber:

  1. a) os previstos no  965 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002;
  2. b) os previstos no parágrafo único do art. 67 desta Lei;
  3. c) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei;

VI – créditos quirografários, a saber:

  1. a) aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo;
  2. b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento;
  3. c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo;

VII – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias;

VIII – créditos subordinados, a saber:

  1. a) os assim previstos em lei ou em contrato;
  2. b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício.

[2] Vide estudo publicado na Revista Direito GV em janeiro/2017, disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rdgv/v13n1/1808-2432-rdgv-13-01-0020.pdf

[3] Art. 102. O falido fica inabilitado para exercer qualquer atividade empresarial a partir da decretação da falência e até a sentença que extingue suas obrigações, respeitado o disposto no § 1º do art. 181 desta Lei.

Parágrafo único. Findo o período de inabilitação, o falido poderá requerer ao juiz da falência que proceda à respectiva anotação em seu registro.

[4] Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

[5] Art. 6º. A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.

 

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